Nós do G.E.P Culturas Amazônicas acreditamos na pluralidade de linguagens e saberes. A arte, tanto quanto a ciência, é uma produção humana e possui suas potencialidades éticas e estéticas, culturais e epistemológicas. Nesse sentido, abrimos em nossa home page um espaço destinado à produção artístico-literária.
“Contos, crônicas e poemas e outras humanidades” é um espaço para a produção artística e literária de pesquisadores e pesquisadoras do G.E.P Culturas Amazônicas, mas também para todos os parceiros e amigos de nosso Grupo de Pesquisa. Visando a proposta do “bem-viver” (termo que – oriundo de povos originários – designa modos de convivência mais harmoniosa com a natureza e os demais) e aspectos da decolonialidade, acreditamos que a construção de uma epistemologia do sul perpassa por novas possibilidades de linguagem, mais aptas a tratar do humano em sua dimensão emotiva, social e espiritual.
Assim, considerando temáticas diversas que se relacionem a espaço, cultura, representações e natureza. Os interessados em publicar em nossa página podem encaminhar suas propostas (contos, crônicas ou poemas) para o nosso e-mail de contato que estaremos, com prazer, fazendo as avaliações.
G.E.P Culturas Amazônicas
EM ALGUM MOMENTO
Edson Cavalari
Andarás pelas ruas que fizeram
Parte de sua infância
Com certa nostalgia...
Passarás pela frente da casa que
Fora de seus pais ou de seus avós
Com um aperto do coração...
Olharás para aquela longa estrada
Que ruma a um lugar onde fora feliz
A ouvir um insistente chamado...
Sentirás desejo de voltar à sua longínqua
Terra cheia de afetividades, às suas raízes
Reencontrar a paz perdida...
Perceberás que voltou a comprar os livros
Que lera na sua juventude, que busca
De reviver aquelas mesmas emoções...
Sentarás num banquinho na rua da sua infância e nas memórias tentarás ouvir as falas e gritos da garotada a brincar nas calçadas...
Buscará por aquela árvore que ao longe, bem distante no espaço lhe fazia desejar sua solidão, seus frutos, seu silêncio, sua paz...
Ouvirás aquelas mesmas canções que te
Remeterá à um mundo um tanto distante
Que insistentemente tentará manter vivo...
Talvez não seja saudades, talvez seja uma necessidade de tentar reviver antigas emoções antes de voltar...
Voltar para casa..
Oxum Fabíola Pinheiro
Tão doce, tão bela, tão anil É assim a mamãe Oxum das cachoeiras, sentada na beira do rio Quão boa tu és minha Mãe, quão carinhosa tu és minha Mãe A senhora que aconselha e acalanta A senhora que embala e que encanta Não consigo mais me ver sem os cuidados da Mamãe Oxum Não saberia mais viver sem ela, de jeito nenhum! Suas águas são doces como mel Suas águas que curam, são vindas do céu Minha mãe, pra senhora eu bato cabeça Pra que minha vida não pereça, não enfraqueça À senhora eu confio o meu caminho O meu destino Acendo uma vela amarela e uma prece eu faço Pois com a senhora eu sei que não tem laço Assim eu vou levando, perante as dificuldades, não esmoreço À senhora minha Mãe, eu sempre agradeço Com o clarão do teu luar a me guiar Assim como colhes lírios para o seu congá Nas suas águas eu vou sempre me renovar E lutar na vida sem medo algum |
OS INVISÍVEIS (Gustavo Abreu)
Quantos invisíveis morrem, e não vemos. Criancinhas invisíveis pedem nos semáforos, tentam nos vender coisas: bombons, doces e não vemos. Trabalhadores: garçons, funcionários públicos, frentistas, entregadores... invisíveis são seus rostos, sua voz não tem um som ou timbre muito específico. Eles não importam, apenas o seu trabalho e o produto que entregam. Os parentes também estão ficando invisíveis: o tio, a prima, a vó e até - quem diria - a mãe. Meus amigos me entendem muito mais e eu os entendo muito mais nos falamos todo dia pela tecnologia. Eu olho todo dia no meu celular e me esforço pra postar e postar e postar e postar todo esse esforço (eu não queria falar) mas é porque eu também, estou ficando invisível.
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pedacinhos de vida Josué da Costa Silva
Eu quis contar pequenas histórias Coisas que acontecem ao redor Coisas que observo Coisas que eu vejo Coisas que alguém me conta Apenas pequenas histórias
preocupado, se a ideia era válida ou se não estava perdendo meu tempo resolvi pedir a opinião do meu amigo poeta Alberto Caldas Mostrei a ele uma das histórias que fiz e ele me manda uma resposta dizendo: “perfeito... isso é muito importante e não pare, conte os pedacinhos da vida...”
Fiquei pensando e sorri me sentindo Carlos Drummond Andrade quando o anjo torto lhe disse: “Vai, Carlos! ser gauche na vida”. É Alberto… você é meu anjo torto… |
DIÁLOGO FLUVIAL Gustavo Abreu
Eu gostaria de ter um sorriso feito de guardanapo que eu pudesse amassá-lo e jogá-lo, ou se eu quisesse, escrever nele - um bilhete de amor.
Eu gostaria de ser como um pequeno sapinho que tudo enfrenta, sem preocupação nenhuma. (Como me preocupo / e a preocupação cansa / e o cansaço corta asas.)
Eu gostaria, ah como gostaria, de ter um olhar esquecido no tempo olhando mais as árvores do que as moscas olhar de copo d'água - que mata a sede, mas com o tempo sempre quer mais.
Eu gostaria de ter as palavras como beira de rio amazônico - que é sempre nova nas suas estações. E não é só nova, mas também é bela e valente com seus mormaços e frios e peixes e sons.
Eu gostaria, ah como gostaria, de ter a coragem das onças. Porque - não sei por que - nasci com alma de capivara, que ama mais as folhagens e o sossego do que as confusões.
Enfim, eu gostaria de navegar nos rios como uma velha cobra papa-ova daquela que não é venenosa, (vive apenas de comer ovos de outras cobras), e tem a barriga amarela e as costas verdes - brasileira legítima no diálogo fluvial. |
Liberdade Fabíola Pinheiro
Curvada às dobras da decisa o corpo acompanha as ondas sonoras do tambor O beijo nas mãos ou o gesto de motumbá ao longe são sinais da ancestralidade em tom de branco misturado à essência de alfazema Da vela branca no altar de Oxalá ao Ogum Xoroquê plantado na porteira do congá São marcas de uma herança ancestral que não será diluída pelo caminho das folhas secas Cheiro de defumação, pipoca no chão são sinais de renovação De fé de esperança, de respeito Como se mamãe Oxum falasse de dentro do peito Peito que bate no compasso do paô, do giro do yaô Das palmas dos pés esticadas no chão do barracão Do ori que se curva aos pés da mãe e do pai humano ou orixá, caboclo, ou não O mau presságio da escravidão se desfaz debaixo da guma sagrada, no centro do peji Sob o olhar erguido para o alto e a boca cantando doutrinas de paz Pelo suor escorrendo do rosto da preta, do preto que não é mais da senzala Agora é afagado pelos braços de Nanã e abençoado por Iansã como sempre havia de ter sido, sem que precisasse ter se escondido para cultuar a sua fé, que agora também é nossa, Umbanda, Tambor de Mina, Candomblé.
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O QUE É BELO Gustavo Abreu
O que é belo, realmente belo na mulher não é o corpo, é a conquista Não é a imagem, é o toque Não é o batom, é o cheiro.
O que é belo no pássaro, realmente belo, não são suas cores, é o seu voo.
O que é belo na palavra não é tanto a sua forma, mas sua sinceridade.
O que é belo na desculpa não é tanto o pedido, mas o olhar.
O que é belo em um casal não é tanto o sucesso financeiro, mas o bom humor.
O que é belo em um poema, realmente belo, não é a sua estética ou a sua eloquência, mas o que ele te faz sentir.
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Eu, ou não? Fabíola Pinheiro
Não deixe que seus achismos, no melhor sentido da palavra, façam interpretar errado os meus sentimentos. Meu coração se autoriza a amar da melhor maneira. Amores-amores, amigos-amigos. Às vezes parece ser intruso, parece querer ocupar muito espaço, chamar atenção, mas tudo isso é só o transbordar de afetos. Minhas atitudes gentis já foram, muitas vezes, mal interpretadas. Parece que as pessoas não estão mais acostumadas a serem acarinhadas. Um simples abraço acolhe. Mas, por que não um doce, um livro, um chaveiro, um cartão, uma flor, um botão, um bilhete, uma ligação? Confesso que ainda tenho medo do não! É clichê dizer: só estou sendo eu! Mas ser eu parece que não. Não acreditam, causa desconfiança. Talvez a resposta pra tudo isso, seja isso mesmo. No coração da humanidade falta esperança. |
SEMENTES Gustavo Abreu
Eu sou um rio de águas frias Olho de jacaré Mata fechada, rapé
Somos índios da mesma aldeia História de sereia Iansã na areia Menino na beira do rio
Eu sou dor de amigo Flechada no inimigo Estrada que vai ao longe Somos monges
Viagens, do extremo Oriente às matas do Sul.
Ayahuasca e a onça pintada no verde das folhas no brilho da lua. Nas meninas tomando banho ao luar...
Somos sementes de árvores gigantes Incendiadas, e perseguidas Estamos sempre prontas a brotar. |
Uma historinha para um dia de chuva Josué da Costa Silva Isto aconteceu num tempo muito, muito distante... Tão distante que a fantasia, o sonho e a realidade já se juntaram em uma coisa só... Eu aproveitava para ir para o sítio que meu pai tinha na BR 364 sentido acre, quilometro 175, quinze quilômetros antes de chegar a Abunã... Eu não devia ter quinze anos... Mas era o responsável (e talvez eu pedisse) de levar o "rancho" para meu pai... Janeiro é tempo chuvoso... O ônibus ia atolar é isso eu já sabia... Eu desembarcava minha bagagem, pulava do caminhão, "Êêêê pai... Êêêê papai... " Seguia gritando de vez em quando na mata... Eu nem imaginava que a viagem pudesse ter sido difícil ou até perigosa... Já me bastava o sorriso de meu pai e sua alegria por minha chegada... eu vestido de bermudão e lama trazia a carga do rancho... A chuva caindo fininha... a tudo molhando... O silêncio da mata e o gotejar no telhado de palha... O vento frio passava pelo assoalho suspenso, feito de pachiúba e fugia pelas paredes e frestas também de pachiúba... Eu me embalava suavemente na rede e olhava as gotas que se formavam nas pontas das palhas do telhado e caiam em um ritmo lento o dia todinho... Eu pegava meu gibi e dormia nas primeiras páginas... 🌾🌾🌾🌾🌾🌾🌾🌾 |
o melhor tratamento Josué Costa
É verdade que com a idade nossa capacidade de ver e ouvir vai se modificando… vem a diabetes e vai deteriorando tudo… aos poucos vamos deixando de ver as coisas ao nosso redor o mundo vai encolhendo…
o olhar só consegue registrar as mesmas coisas… O que escolhemos para ouvir torna-se monótono… igual, sempre igual…
Tudo vai ficando monocromático… uníssono… Eu penso que é a velhice mesmo chegando…
então é preciso procurar um especialista… Encontrei e comecei a ler o livro “O Caçador de Histórias” de Eduardo Galeano e entendi o que ele quer ao contar todos aqueles pequenos fragmentos de vida… Passei a ver melhor tudo ao meu redor… minha visão ficou mais apurada, curiosa e aguçada... Estou ouvindo sons que antes não percebia… É muito bom quando encontramos o especialista certo para cuidar de nossas enfermidades…
Acho até que rejuvenesci... |
A caridade em caldo Josué Costa
Hospedei em minha casa, durante algum tempo, o meu amigo e poeta Alberto Lins Caldas. O Alberto decidiu caminhar de casa até o aeroporto como prática de caminhada e para pensar os personagens de seus livros... Vamos considerar que seja longe... Mas o Alberto não considerava as distâncias... sempre dizia que o cansaço era uma invenção do corpo e quem manda no corpo é a mente... Essas coisas não se discute com o poeta... Sol intenso de início da tarde, humidade do ar altíssima, a sensação de calor que desanima qualquer ideia de sair da sombra. Certo dia, Alberto chegou de uma dessas caminhadas cansado, vermelho de sol e calor, olhos arregalados, respiração profunda... Fiquei olhando aquela cena de pré desencarne e fui ao fogão... coloquei água para aquecer, esmaguei três dentes de alho e coloquei na água, quatro sementes de pimenta do reino moída, água fervendo e o cheiro de alho no ar fui colocando a farinha... A mão cheia, um punhado que ia escorrendo lentamente para dentro do caldo fervente... Era preciso esperar o ponto de cozimento da farinha. Aguardando, fui mexendo lentamente com uma colher de madeira. Pronto e no ponto, acrescentei um pouco de manteiga e temperei com sal... Coloquei em um copo de louça grande e salpique algumas cebolinhas cortadas muito finas... Estava pronto o caldo da caridade. Levei o fumegante caldo ao Alberto e fiquei observando aquele ser voltar do mundo do além revigorado pelo caldo da caridade... |
Distração Josué Costa ... Eu organizei um seminário que tratava de métodos sociológicos e as práticas daimistas... Formamos uma mesa e entre os convidados estava o seu Virgílio Nogueira líder espiritual do Santo Daime, e uma antropóloga da USP, muito famosa, internacionalmente conhecida, pesquisadora e minha amiga. Liana é o seu nome. Na verdade, Liana é um anjo, um ser leve, bem humorada e solidária... Na mesma proporção em que é um espetáculo quando fala da ciência por sua inteligência e articulação teórica, Liana é distraída... A distração da Liana já gerou muitas histórias. muitas dessas histórias possuem materialidades próprias e outras... bom, outras são de materialidades construídas e imaginadas... Na mesa redonda, Liana assistia a palestra de seu Virgílio com muita atenção e encanto. Liana ria, aplaudia as histórias de seu Virgílio. Finda a palestra, Liana se levanta aplaude seu Virgílio e lhe dá um abraço e começa a sua palestra. Ela começa assim: "eu estou emocionada com a palestra do VARGOLINO"... "... Porque o VARGOLINO..." "... quando o VARGOLINO disse que..." e sua palestra foi modificada no momento de sua apresentação fazendo o resgate do conteúdo apresentado na palestra do Seu VARGOLINO... E lá pelas tantas vezes que Liana fazia referência a VARGOLINO, seu Virgílio a corrigiu "é Virgílio... VIR-Gí-LIO..." Então a Liana para para ouvir a intervenção e vai ao máximo no jeito Liana de ser e disse: "hã? Ah, é verdade eu estou o tempo todo aqui te chamando de Virgílio, me desculpe, VARGOLINO..." O seu Virgílio riu que dava gargalhadas... Foi um momento maravilhoso... Eu organizei e estava presente...
pedindo pra morrer em plena quarentena
Josué Costa Em tempos de quarentena o diálogo flui e conversamos sobre coisas simples, coisas complexas, filósofamos, levamos na vida para um patamar de que "queremos mais"... Por isso, fazemos planos que também são projeções que nos coloca em um tempo futuro o qual desejamos e queremos estar…. nesse tempo que ainda virá. Marcamos lá nossa presença… a nossa presença no futuro nos resguarda para não nos entregarmos as dificuldade que enfrentamos e tratarmos das fatalidades com serenidade. Assim… estava eu e gracinha conversando... Gracinha: quero adiantar as minhas orientações, corrigir os artigos e ficar livre para fazer uma reforma em casa. Vamos transformar um dos quartos em ambiente de trabalho. Eu: isso é ótimo, meu bem… também quero adiantar as minhas orientações para poder fazer o que de fato me chama que é ler Machado de Assis, Guimarães Rosa, Jorge Amado e meus gibis… tudo isso deitado na rede… o que você vai fazer com a salinha de estudo que temos? Gracinha: vou arrumar tudo e deixar uma cama de solteiro para hospedar nossos amigos… Eu: ah, eu quero organizar na sala um ambiente para jogar xadrez… Gracinha: é… você gosta… Eu: mas eu quero assim: quero mandar fazer uma mesa fixa e dois tronos… um mais claro e outro escuro… mando fazer um jogo de peças grandes e personalizadas e já tenho até quem faça… Gracinha: não vai exagerar… Eu: calma meu amor, eu imagino um encontro de duas personagens poderosas jogando. Mas não quero nada como "um trono manchado de sangue" (claro que fiz uma alusão a Shakespeare, mas fiquei quieto esperando…) Gracinha: como assim? Eu: mulher menstruada não joga. Gracinha: vai se f***r tu e esses tronos… Eu: mas que é isso, meu amorzinho… Gracinha: meu amorzinho é o c******lho…
Xeque mate… |
Silêncio... Josué costa
Quando vou tomar uma injeção, eu fecho os olhos... Quando vou fazer um exame de sangue, eu fecho os olhos... Quando vou fazer um tratamento dentário, eu fecho os olhos... Quando vou fazer um procedimento cirúrgico, eu fecho meus olhos desde que deito na maca... fiquei a pensar sobre o motivo que me leva a essa ação... Será que assim me protejo??? será que fujo da dor??? Será que assim tenho coragem??? Será que assim ninguém me vê??? Opa!!! Lá vem o povo de verde... vai começar... vou fechar os olhos... Vou largar o celular façam silêncio... talvez eles não me vejam... |